Trabalho degradante na cadeia produtiva da carnaúba é tema de audiência pública
Um produto que ocupa a sexta posição no ranking de exportações do Ceará, mas que ainda registra condições precárias de trabalho, assim é a carnaúba. As condições de trabalho na extração da cera de carnaúba preocupam o Ministério Público do Trabalho, os produtores do Ceará e os deputados que debateram o tema em audiência pública nesta segunda-feira (17/03), no auditório Murilo Aguiar, na Assembleia Legislativa do Ceará. O encontro, promovido pelas comissões de Agropecuária e de Desenvolvimento Regional, Recursos Hídricos, Minas e Pesca da Casa, destacou as relações trabalhistas na cadeia produtiva do setor.
“Não dá pra perpetuar o descumprimento total da legislação trabalhista que existe hoje na cadeia produtiva da carnaúba”, comentou o procurador do trabalho, Leonardo Holanda. O MPT realizou no final do ano passado uma inspeção – juntamente com as outras entidades que compõem o Grupo Móvel de Combate ao Trabalho Escravo – na qual foram encontrados cerca de 90 trabalhadores em condições análogas ao trabalho. “O MPT não quer quebrar o setor, apenas quer que ele atue de maneira adequada, sem ferir a legislação trabalhista”, disse. O procurador do trabalho entende que “uma das soluções poderia ser a criação de uma cooperativa dos produtores para que possam remanejar a mão de obra e atender a legislação trabalhista”, pontuou.
No ano passado, Ceará, Piauí e Rio Grande do Norte exportaram 16 mil toneladas de cera. No nos três estados, 200 mil famílias sobrevivem da cultura, segundo o Sindicato dos Produtores de Carnaúba. A atividade movimenta a economia cearense e gera renda, principalmente, na época da estiagem, conforme observou o deputado Hermínio Resende (Pros), presidente da Comissão de Agropecuária da AL. O parlamentar ressaltou a importância da preservação da carnaubeira, símbolo do Ceará. “É preciso revitalizar essa cultura de grande potencial econômico”, pontuou.
O presidente da Comissão de Desenvolvimento Regional, Recursos Hídricos, Minas e Pesca da Casa, deputado Neto Nunes (PMDB), alertou sobre a necessidade em adequar a atividade à legislação trabalhista. “A cultura é muitas vezes a única fonte de renda, mas muitos trabalhadores não querem carteira assinada, pois, com isso, dizem que não vão conseguir se aposentar como trabalhador rural”, destacou. “Isto é uma falácia”, corrigiu Leonardo Holanda em sua explanação. O procurador do trabalho explicou que o trabalhador rural só perderia o direito caso atuasse em uma atividade urbana, o que não é o caso da extração da cera da carnaúba.
O deputado federal Vicente Arruda (Pros/CE) observa que a carnaúba “é uma cultura secular e atípica. “Existe mão de obra ociosa e a carnaúba ocupa essas pessoas. É preciso discutir como atender a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT)”, ressaltou.
O deputado Sérgio Aguiar (Pros), propositor da audiência pública, destacou investigações do Ministério Público que identificaram, no final do ano passado, carnaubais nas cidades de Martinópole e Barroquinha em condições precárias de trabalho. “Temos a função de intermediar. É preciso um prazo para adequar a atividade as leis trabalhistas senão vamos impactar no empobrecimento da comunidade”, frisou.
O presidente do Sindcarnaúba, Edgar Gadelha, assinalou que o setor tem 95% da sua produção voltada para exportação. “É um produto natural e ecologicamente sustentável. Estamos falando de uma especiaria química e não podemos perder mercado, pois não conseguiremos recuperar”, disse.
Muitos municípios cearenses vivem da extração da carnaúba, acrescentou o prefeito do município de Granja, Romeu Aldigueri. “Dos 53 mil habitantes de Granja, mais da metade vive dessa atividade no segundo semestre. Estamos falando de uma cidade que não tem indústria e fica a 330 quilômetros da Capital”, afirmou Aldigheri.
“Para um produto tão ecologicamente correto quanto é a carnaúba, é fundamental que seja correto também quando se trata de respeito aos trabalhadores”, concluiu o procurador do trabalho, Leonardo Holanda.