MPT discute estratégias para fortalecer rede de proteção a crianças e adolescentes no Ceará
Em um vilarejo da zona rural de General Sampaio, município da região norte do Ceará, um garoto passava as tardes na tarefa de quebrar castanhas de caju. A mãe, ainda bem jovem, era funcionária da fábrica e ganhava por produção. Só não tinha consciência de que, além de ilegal, o trabalho infantil, nesse caso, faria com que o filho perdesse a própria identidade. O óleo da casca da castanha corrói a pele e provoca queimaduras químicas. Com o tempo, as impressões digitais são apagadas para sempre.
O Ceará é o maior produtor de caju do país. Só em 2014, a safra foi de 75 mil toneladas (25% maior, em comparação ao ano anterior). O sistema de produção artesanal é bastante comum em boa parte do Estado e envolve famílias inteiras, inclusive crianças. O combate a esse tipo de prática tem o apoio do Programa de Educação contra a Exploração do Trabalho da Criança e do Adolescente (Peteca).
Foi a partir de uma denúncia, que representantes da rede de proteção às crianças e adolescentes chegaram à fábrica de General Sampaio e constataram a exploração de mão de obra infantil. “A mãe argumentou que costumava levar o filho para não deixá-lo sozinho em casa”, lembra a coordenadora do Peteca no município. Joana D’Arc Gomes Cavalcante. “Explicamos as consequências daquele tipo de atividade para a criança, os danos psicológicos e à saúde. Semanas depois, constatamos que a criança já não frequentava mais aquele local”.
ESTRATÉGIAS
Relatos de exploração de mão de obra infantil como o de General Sampaio marcaram a 7ª Oficina Estadual de Coordenadores Municipais do Peteca, realizada em Fortaleza. Representantes de mais de cem municípios cearenses tiveram oportunidade de trocar experiências, avaliar ações e planejar estratégias para 2015.
No município de Barreira, também na região norte do estado, os quintais e garagens das residências escodem hoje a maior parte dos casos de exploração de mão de obra infantil. “Sabemos que existem muitas crianças e adolescentes trabalhando em facções de jeans totalmente informais”, alerta o coordenador do Peteca no município, Reury Queiroz. O sistema explora a mão de obra das famílias, com sonegação dos direitos trabalhistas e tributos. “É assim também na China. Um modelo que só favorece quem está no topo da cadeia produtiva: os empresários”, explica o procurador-chefe do MPT/CE.
REDE DE PROTEÇÃO
No Ceará, cerca de 146 mil crianças e adolescentes - entre 5 e 17 anos de idade - encontram-se hoje em situação de trabalho, de acordo com a última Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílio (Pnad/IBGE). Houve redução de 50% do total de registros nos últimos seis anos, resultado de ações como o Programa de Educação contra a Exploração do Trabalho da Criança e do Adolescente. Apesar dos avanços, a situação ainda é crítica em municípios do litoral norte, Serra da Ibiapaba e região do Cariri. O maior desafio, para 2015, é fortalecer a luta contra o trabalho infantil através do esforço conjunto do poder público e entidades da sociedade civil. “Devemos envolver também outros atores – como os da assistência social, da saúde e dos conselhos – para que todo o sistema de garantia de direitos atue em defesa da criança e do adolescente e, diante das situações de trabalho infantil, adote medidas concretas para resgatar as vítimas de exploração”, detalha Antonio Lima.
Um trabalho silencioso, em que cada vida resgatada tem valor que não se mede por estatísticas. No município de Palhano, a 150 quilômetros da capital cearense, a coordenação do Peteca identificou dez adolescentes - entre 13 e 15 anos de idade - fora da escola. “Percebemos que a evasão escolar coincidia sempre com o período de safra do caju, que vai do final de agosto a novembro, justamente na reta final do ano letivo”, afirma a secretária de educação do município, Ana Maria de Lima. “O problema maior é a falta de consciência das famílias, por isso começamos a fazer um trabalho bem próximo às comunidades.”
AVANÇOS
No município de Tianguá, o combate à exploração de mão de obra infantil mobilizou um intenso trabalho de pesquisa nas 19 escolas da rede pública municipal. O levantamento identificou 1.344 crianças em situação de trabalho. “Eles estavam na escola, frequentavam as aulas, mas exerciam algum tipo de atividade no outro turno”, afirma a coordenadora do Peteca no município, Maria Syberle Fernandes. O passo seguinte foi sensibilizar os estudantes e as famílias sobre os prejuízos do trabalho na infância. “No período de um ano, 319 crianças deixaram de trabalhar, o que representa uma redução de 20% do total”, comemora Maria Syberle.
O resultado das ações, no Ceará, levou o Ministério Público do Trabalho a expandir a experiência para todo o país, através do programa MPT na Escola. Dezessete estados fazem parte hoje da rede de combate à exploração do trabalho infantil, que contempla cerca de 550 mil estudantes em mais de 2.700 instituições de ensino.
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