Mobilização avança no país para proteção à infância

Em Fortaleza, um dos principais desafios é combater o aliciamento de crianças e adolescentes para o tráfico

“O recrutamento para o tráfico é o principal relato quando a gente discute sobre trabalho infantil, em Fortaleza”. A constatação vem do procurador do Ministério Público do Trabalho (MPT) Antonio de Oliveira Lima, que tem percorrido o país para intensificar a formação de comitês de adolescentes para o combate ao trabalho precoce e outras violações de direitos.

Fortaleza é considerada a segunda cidade mais violenta do Brasil e a 7ª do mundo, segundo recente estudo divulgado pela ONG mexicana "Seguridad, Justicia y Paz". Entre 2016 e 2017, a taxa de homicídios teve aumento de 85%. Saltou de 44.98 para 83.48 por cem mil habitantes. Se o estudo considerasse os dados oficiais da Secretaria de Segurança, no entanto, a taxa seria de 131 assassinatos por grupo de cem mil habitantes, superando a cidade Los Cabos, no México, apontada como a mais violenta do mundo.

Na capital cearense, criminosos aliciam crianças e adolescentes e o crime organizado avança na disputa pelo controle de presídios e do tráfico de drogas. “Existe a chamada política pública paralela, feita pelos traficantes nas comunidades. Onde o poder público não chega, as facções se fazem presentes, no dia a dia das crianças e adolescentes”, alerta o procurador. “O tráfico se espalha justamente nos espaços de ausência de políticas públicas”, completa.

Para o coordenador pedagógico Sérgio de Carvalho, um dos problemas é a territorialização dos bairros pelas facções, o que influencia os jovens a entrar no mundo do crime. “É um segmento com atividades muito lucrativas. No geral, eles (os adolescentes) vêm de famílias desestruturadas e de baixa renda. Às vezes somente a vida e a liberdade deles é o que está em jogo”, resume. A utilização, recrutamento ou a oferta de crianças para a realização de atividades ilícitas, em particular a produção e o tráfico de entorpecentes, é considerada pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), uma das piores formas de trabalho infantil.

Proteção à infância

O aliciamento para o tráfico tem sido fala recorrente nos encontros para formação de coordenadores do Programa de Educação Contra o Trabalho da Criança e do Adolescente (PETECA), que há dez anos mobiliza educadores, conselheiros tutelares, assistentes sociais e de direitos. Todos em defesa da infância. “Um conselheiro relatou a seguinte situação: o cidadão chega na Secretaria de Esportes e fala que precisa de uma bola, de fardamento do time para a comunidade. Ele vai uma, duas, três vezes desiste. Quando ele procura o traficante e pede, o pedido é atendido na hora”, exemplifica. “Então a gente tem essa questão. Como fortalecer a política de proteção? Porque é na ausência dela que a política de violação de direitos avança”, ressalta.

Para mudar essa realidade, profissionais de ensino e alunos da rede pública de Fortaleza vão atuar em ações de conscientização na comunidade escolar e sociedade em geral, sobre os direitos de crianças e adolescentes. Eles receberam capacitação em encontro realizado dia 26 de março na sede do MPT, em Fortaleza. “Vamos mobilizar, em cada território, uma galera preocupada em promover espaços de proteção e que esteja determinada a cobrar isso. Porque a gente tem que levar mesmo essas ações para a base, para as comunidades”, defende Antonio Lima. “Quando pesquisamos os traços estatísticos da letalidade jovem, vemos que a grande maioria dessas crianças e adolescentes assassinados abandonaram a escola meses antes de serem executados. Então é fundamental e urgente avançarmos nesse campo”.

Protagonistas

Para Lucas Menezes, 14 anos, a oficina o ajudou a ter uma visão de liderança. “O que nós pudermos fazer nós iremos fazer, porque podemos de alguma forma mudar as coisas. Basta nos unirmos”, destaca. “Nosso objetivo, ao sairmos daqui, é mudar essa parte da história. Tirar as crianças dessa situação de vulnerabilidade e fazer o possível para que isso seja efetivo”, enfatiza.

Até o final de julho, nove estados brasileiros terão comitês formados por adolescentes, com participação ativa em ações de prevenção e combate ao trabalho precoce, entre outras violações de direitos. O mais recente grupo a ser criado foi o de São Paulo, dia 12 de abril, durante encontro que reuniu representantes de 22 municípios. Tal protagonismo também já é realidade no Ceará, Maranhão, Pará e Amapá.

A mobilização avança agora em Bahia, Santa Catarina, Piauí e Goiás, resultado da atuação do Comitê Nacional de Adolescentes e Jovens pela Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil, com apoio de procuradores do Ministério Público do Trabalho, tribunais regionais e representantes de fóruns estaduais.

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